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Difícil ser zen no meio da gritaria

crônica por Antonio de Paula Oliveira

O centro comercial fervia, caixas de som disputando quem gritava mais alto, frutas fresquinhas e preços que subiam feito balão. Mas foi ali, entre um “aproveita, freguesia!” e um gole de coco gelado, que descobri o verdadeiro nirvana tropical.

Ser uma pessoa zen, hoje em dia, é um desafio que nem Buda encararia sem uma boa dose de calma, paciência e, talvez, um fone antirruído.

Certa manhã, acordei decidido a praticar o desapego, respirar fundo e deixar o estresse ir embora junto com o ar expirado. Só que, no meio da meditação matinal, o celular tocou como uma sirene de ambulância, daquelas que pedem passagem sem ter por onde passar. Era uma notificação: Liquidação relâmpago no centro comercial da 44, tudo pela metade do dobro, só hoje, não percam!

Respirei fundo e falei para mim mesmo, não vou cair nessa de novo. Dez minutos depois, lá estava eu enfrentando o trânsito rumo à 44, junto com metade da cidade. Chegar ao centro comercial é como entrar num reality show da paciência. O locutor da loja, com o microfone pendurado no pescoço, narrava o apocalipse em tempo real:

— Atenção, freguesia! É preço pra queimar o estoque! Camisetas, calções do seu time, blusinhas e roupas pra criançada por apenas 9,99, mas só enquanto durar o estoque, ou enquanto eu estiver de bom humor! 

O homem gritava tanto que juro ter visto uma senhorinha ficar zonza de tanta gritaria. Cada loja era um templo do consumo, com seus mantras irresistíveis, “leve três e pague dois”, “promoção imperdível”, “últimas peças”, “corra antes que acabe!” E, claro, o clássico moderno “só hoje!”, uma mentira descarada, já que amanhã tudo estará igual, só mudam as placas.

Eu, que tinha ido em busca de equilíbrio interior, me desequilibrei na persuasão do locutor e saí em busca de um desconto em calças jeans.

Quando achei que já tinha atingido o auge do barulho, entrei na feira de hortifrutigranjeiros. Ah, a feira! Um espetáculo à parte. Se o centro comercial da 44 é o inferno da tentação, a feira é o purgatório dos ouvidos.

Um feirante gritava:

— Verduras fresquinhas, minha senhora!

Logo ao lado, outro tentava vender abacaxis com o slogan:

— Doce igual beijo de sogra!

Convenhamos, uma frase de (d)efeito.

— Melancia, só aqui na banca do Jureu! Leva três, paga duas!

— Tangerina doce docinha, direto da campina!

Um sujeito corpulento, camisa desabotoada e garganta desafinada, anunciava:

— Aqui na banca do Baiano é tudo a preço de banana! Mas lembrando aos senhores, a banana não está na promoção!

Caminhando entre as bancas e os fregueses, encontrei o vendedor de coco. Camiseta florida desbotada, sorriso largo, voz de tenor lírico e uma faca que brilhava ao sol, como se tivesse diploma em acupuntura tropical. Gritava com entusiasmo digno de apresentador de auditório:

— Olha o coco gelado, minha gente! Natural, saudável, cura todas as macacoas do corpo, cura até dívida de cartão!

A cada golpe certeiro, ele abria um coco e despejava o líquido num copo de plástico, como quem oferecia a água benta da sobrevivência urbana.

A lábia do vendedor era tanta que até quem já estava com um refrigerante na mão parava para pensar se não precisava de um “detox de coco para renovar as energias”.

Eu, claro, caí. Tomei um copo, dois… e já me sentia quase iluminado. Se Buda tivesse passado por ali, teria comprado um litro de água de coco e voltado sorrindo pro nirvana.

A cada grito, eu tentava manter a serenidade. Respiração profunda. Inspira… expira…, mas é difícil ser zen quando uma senhora te empurra com o carrinho de feira na banca do vendedor de meias, que, claro, tenta te convencer de que são as melhores meias de Minas Gerais.

No meio daquela confusão sonora, percebi que o zen não mora no silêncio. Mora na aceitação, na adaptação ao meio em que vivemos, mesmo que seja o caos. É entender que os vendedores vão continuar gritando “promoção!”, “oferta!”, “última chance!”, “esse preço é só hoje!”, e que, se quisermos paz, precisamos aprender a rir de tudo isso.

Comprei uma calça que nunca usei, um quilo de tangerina sem graça e uma melancia que escapuliu das minhas mãos, espatifando-se no chão. 

Perda total. Contudo, confesso, voltei leve para casa, não de espírito, mas de dinheiro. No balanço da feira, esses vendedores são artistas natos, equilibram simpatia, fôlego e paciência como quem faz malabarismo com sacolas e troco. Transformam o grito em vendas e a promoção em espetáculo. Um canta o preço da melancia, outro declama as vantagens do abacaxi, e o freguês, coitado, entra no embalo como se fosse parte do coral da feira. No fundo, são iluminados do asfalto, meditam em pé, medem o quilo da batata e vendem alegria em voz alta. Se existisse faculdade para essa arte, o diploma viria com marcas d’água de coco, abacaxi e tangerina, e um selo dourado de “zen em tempo integral”. 

No fim das contas, descobri que a paz interior é igual promoção de loja, todo mundo fala que existe, mas ninguém nunca viu de perto.

Antonio de Paula Oliveira é jornalista e escritor

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