Livro narra prisão em Marília do temido policial Mariel Mariscot, do Esquadrão da Morte, após fuga cinematográfica

Marcel Naves, jornalista premiado, relata o surgimento de um dos grupos mais temidos do país, bem como a vida do seu mais polêmico integrante

Depois da sua fuga cinematográfica a nado do presídio de Ilha Grande, Mariel Mariscot foi detido em Marília, por volta das 18h15 de uma terça-feira, 21 de abril de 1976, quando entrava em um estacionamento ao lado do Cinema Peduti na rua Quatro de Abril, prédio hoje fechado, mas na época, o mais importante cine da cidade. Ironicamente, o letreiro anunciava o filme O golpe de mestre.

“No momento em que se preparava para entrar no Volks 1972, com placas do Rio de Janeiro, Mariscot sentiu o cano frio de um revólver encostando em sua boca enquanto outro alcançava as suas costas. Em uma fração de segundos, um par de algemas estava em seus punhos. Mariel estava de óculos escuros, com uma bolsa e três valises com Cr$ 18.800,00, além de US$ 536 dólares.

“A identidade que portava estava em nome de Phillip Matheus Alencar. A prisão foi efetuada por investigadores da delegacia de Marília e integrantes do gabinete do então secretário de Segurança Pública de São Paulo, coronel Erasmo Dias, que tinha extensos relatórios que pormenorizavam os 74 dias de fuga e o ‘ponto fraco’ de Mariscot: a autoconfiança. Erasmo Dias era nascido em Paraguaçu Paulista, a 80 quilômetros de Marília.

“O delegado Roberto Cardoso de Melo Tucunduva tinha grande facilidade para memorizar as características físicas das pessoas e, num domingo, ao passar em frente ao Cine Peduti, reparou em um homem muito bem-vestido e acompanhado de uma bela mulher. O casal destoava de todos por ali e ele chegou à conclusão de que o elegante homem era o procurado Mariel Mariscot.

“Imediatamente o delegado passou a observar com atenção o casal que parou o carro em frente à loja Chê Marie Magazine, um pequeno comércio de roupas finas que ficava no número 163, da rua Nove de Julho.

“Mariel não estava apenas de passagem pela cidade, mas tinha a intenção de se estabelecer por lá. Ele, inclusive, já era conhecido como o senhor ‘Alex’, um pseudo e próspero comerciante carioca que visitava parentes na companhia da esposa.

“A partir dessas informações, os delegados Roberto Tucunduva, Damázio Valejo Vasquez, Martins de Paula Cordeiro e Vitorino Barbosa traçaram um minucioso plano. Inicialmente foi realizado um cerco ao quarteirão onde ficava uma filial da pequena boutique a fim de monitorar toda a área compreendida entre as ruas Campinas e Itu. Nessa região, foram colocados diversos policiais disfarçados e estrategicamente distribuídos. Dois falsos operários ficaram em uma pequena caminhonete propositadamente parada em um determinado trecho, como se estivesse quebrada.

“Utilizando um carro que habitualmente não era o seu, o então senhor ‘Alex’ seguiu para o seu habitual destino sem ter a menor noção de que estava sendo vigiado.

“Mariel foi preso em um estacionamento, quando uma viatura sem identificação bloqueou sua passagem e lhe foi dada voz de prisão. Não houve tempo para qualquer reação: Mariel fora surpreendido e sequer chegou a tocar na capanga que estava embaixo do braço com uma pistola 45 e dois pentes carregados.

“Com dois revólveres, um encostado em sua cabeça e outro em sua boca, não teve tempo de esboçar qualquer reação. Rapidamente as algemas se fecharam em seus punhos.

“Ao entrar na sala do delegado regional, passou a dar sinais de que estava pronto para as desejadas explicações sobre sua mais ousada fuga, mas preferiu iniciar a sabatina de depoimentos se apresentando:

“– Sim, sou eu, Mariel Mariscot! Eu sou um ex-colega de vocês!

“Após deixar o Rio de Janeiro, veio para São Paulo de carro pela rodovia Presidente Dutra, ficando poucos dias na capital paulista. No carro em que estava também foram encontrados mapas onde os munícipios de Marília, Ribeirão Preto, Bauru, Presidente Prudente, Araçatuba e São José do Rio Preto estavam marcados. Segundo Mariel: “Escolhi as cidades que tivessem entre 100 mil e 200 mil habitantes porque achei que seria o ideal para minha situação de fugitivo. Optei por Marília porque gostei de sua gente e porque minha companheira tem uma irmã aqui”.

“O secretário Erasmo Dias enviou um telegrama no qual dizia à sua maneira que a ‘nova estadia’ de Mariel estava sendo preparada com todo o rigor e extremo cuidado. “Garanto uma coisa, comigo ninguém foge”, afirmou rapidamente o coronel à imprensa.

As primeiras confissões

“Se não fosse a prisão ocorrida em Marília, possivelmente estaria em São José do Rio Preto, onde pretendia montar uma rede de lojas de roupas. Essa afirmação foi feita por Mariel em frente ao batalhão de repórteres.

“Ele fez constantes elogios à polícia, inclusive que ela estava de parabéns por sua prisão! Sem deixar de lado sua peculiar ironia, chegou a lamentar o fato de não poder cumprimentar Erasmo Dias com um aperto de mão!

“– Foi uma atuação sensacional da polícia de São Paulo. Sinto-me feliz em propiciar essa oportunidade de demonstrar, através de minha prisão, que a polícia de São Paulo é muito eficiente. Meus parabéns! Aliás, é como eu digo, a função da justiça é julgar, a função da polícia é prender, o preso, se possível, deve fugir! – Mariel afirmou”.

Bastidores da violência policial, de grupos criminosos organizados e do jogo do bicho no Rio

O livro Escuderia Mariscot – O nome do Esquadrão da Morte marca a estreia do jornalista Marcel Naves na literatura. A partir da sua vivência, ainda criança, nas redações de São Paulo, nos anos 1970, passa a conhecer de maneira muito peculiar um período importante da história do crime organizado, no Brasil, e detalhes de um dos seus principais personagens, descortinando os bastidores de um mundo violento.

A obra surpreende. Não se trata de uma pesquisa acadêmica ou tampouco uma biografia, mas o relato particular do autor diante do surgimento da Scuderie Le Cocq e dos últimos anos de vida de um dos seus mais polêmicos integrantes, Mariel Mariscot. Marcel se debruçou em arquivos e processos, além de entrevistas, e o resultado é um texto envolvente, com nuances ficcionais, mas muito realista.

A Scuderie Le Cocq, criada na década de 1960 por policiais do Rio de Janeiro, foi um dos grupos mais temidos do Brasil por muito tempo, até ser extinto judicialmente no início dos anos 2000. O policial bandido Mariel Mariscot fez história como personagem sempre presente nas coberturas policiais da época.

O grupo ganhou destaque na mídia a partir de assassinatos, cujos corpos eram abandonados tendo ao lado o famigerado cartaz de um crânio cruzado por duas tíbias e logo abaixo, em destaque, as letras E.M. (Esquadrão da Morte), assinatura inconfundível. As redações recebiam telefonemas anônimos informando sobre os crimes cometidos e a localização dos cadáveres, os ‘presuntos’. O alvo era a publicidade e, claro, mandar um recado. 

Mariel Mariscot, conhecido por ser um dos 12 homens de ouro da Guanabara, teve participação ativa na Scuderie, na qual fez história até ser expulso por sua atuação excessivamente violenta. Entre seus feitos, amplamente destacados nos jornais, estão uma fuga a nado de Ilha Grande, presídio de segurança máxima da ditadura militar, e sua eterna desavença com o famoso bandido Lúcio Flávio, eternizado na obra do cineasta Hector Babenco, Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia.

O livro traz o comentário do jornalista Percival de Souza sobre o Esquadrão e o trabalho de Marcel Naves. E, ainda, fotos de Mariel Mariscot, do arquivo do jornal O Globo. Como classificar Mariel: policial bandido ou um bandido policial? É essa pergunta que o livro tenta responder, neste trabalho de fôlego do experiente jornalista Marcel Naves.

Quem é o autor – Marcel Naves atuou nas rádios Bandeirantes, CBN, Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Eldorado e Estadão. Os prêmios Vladimir Herzog, Ayrton Senna de jornalismo e o reconhecimento da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), como melhor repórter, estão entre algumas das muitas conquistas obtidas em sua trajetória.


Sobre o livro – Escuderia Mariscot – o nome do Esquadrão da Morte, com fotografias e comentário do jornalista Percival de Souza. Gênero: literatura brasileira, biografia. Subgênero: reportagem investigativa, investigação criminal, crime organizado, true crime, crimes reais, história. 14×21 cm. 212 p., ISBN 978-65-981557-1-1. São Paulo: Trajetórias. R$ 60,00.

Site www.editoraoartifice.com.br[email protected]

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