do Diário de Notícias Marília
“Cepa de Deus”, “vírus vacinal” e “presente de Natal antecipado” foram alguns dos termos usados para descrever a variante ômicron do SARS-CoV-2 no fim do ano passado, quando ela foi identificada na África do Sul.
Estudos têm sugerido que essa linhagem do novo coronavírus é de fato menos agressiva que as anteriores, entre outros fatores, por ter uma capacidade menor de invadir o epitélio pulmonar. Por outro lado, a maior afinidade com as células das vias aéreas superiores parece ter conferido à ômicron um poder de disseminação que tem sido comparado ao do sarampo – um dos patógenos mais contagiosos já descritos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ômicron contamina cem pessoas a cada três segundos no mundo.
No Brasil isso tem se refletido em recordes sucessivos de casos diários de covid-19. Somente no sábado dia 29 de janeiro de 2022, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, foram registradas 207.316 novas infecções. A média móvel de casos nos sete dias anteriores foi de 183.896 – 165% maior do que a registrada há duas semanas.
Para especialistas ouvidos pela Agência Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo), o fato de o número de internações e mortes por covid-19 não estar crescendo na mesma proporção deve-se mais à imunidade prévia da população – seja pela vacinação ou por infecções anteriores – do que às características intrínsecas do vírus.
“Nos indivíduos não vacinados a doença não é tão leve, podendo causar óbitos e lesões importantes. A questão é que esse vírus tem encontrado um hospedeiro diferente, que já não é virgem de exposição”, afirma o médico Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).
Esta também é a opinião de Elnara Negri, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês. “É uma variante muito parecida com as anteriores. A questão é que no Brasil a gente tem a felicidade de ter uma população com uma boa cobertura vacinal. O único paciente que precisei intubar nesta onda, até o momento, não era imunizado. E ele desenvolveu uma pneumonia por SARS-CoV-2 com trombose de microcirculação clássica. Na grande maioria dos atendidos a doença teve um curso bom e considero a vacina a grande responsável”, diz.
Em parceria com os colegas do Departamento de Patologia da FM-USP, entre eles Saldiva, Negri foi uma das primeiras pessoas no mundo a levantar a hipótese de que distúrbios de coagulação sanguínea estariam na base dos sintomas mais graves da COVID-19 – entre eles insuficiência respiratória e fibrose pulmonar (leia mais em: agencia.fapesp.br/33175/ e agencia.fapesp.br/37076/). Ela ressalta que mesmo entre pessoas vacinadas, principalmente em idosos e indivíduos com comorbidades, a ômicron pode causar coagulopatia.
“Se ao redor do sexto dia de sintomas, em vez de melhorar, o paciente começar a ter febre, dor lombar e uma piora no cansaço ou mal-estar é hora de ir ao médico e colher exames para ver se há coagulopatia”, alerta.
O infectologista Esper Kallás, da FM-USP, destaca que nos locais em que a cobertura vacinal é mais baixa o número de hospitalizados por covid-19 tem aumentado de forma significativa. Um exemplo é o Distrito Federal, onde a taxa de ocupação dos leitos nas unidades de terapia intensiva (UTIs) atingiu novamente 100%.
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal, 90% dos internados por covid-19 não se vacinaram ou estão com a imunização incompleta. Em outros seis Estados – Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte – a ocupação nas UTIs está acima de 80%. No caso das UTIs pediátricas a situação já é crítica em pelo menos três Estados: Mato Grosso do Sul, Maranhão e Rio Grande do Norte.