O Brasil se despede da cantora Elza Soares

A cantora Elza Soares, faz show na abertura da oitava edição do Festival Latinidades, maior festival de mulheres negras da América Latina (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

‘A Voz do Milênio’ morreu no dia 20, aos 91 anos

do Diário de Notícias Marília

O Brasil se despediu nesta sexta-feira, dia 21, da cantora Elza Soares, de 91 anos. Considerada a ‘Voz do Milênio’, a artista faleceu em sua casa na quinta-feira, dia 20. Quase quatro décadas atrás, neste mesmo dia, se despedia da vida o craque e duas vezes campeão mundial com a Seleção Brasileira de futebol, Mané Garrincha. Garrincha e Elza foram casados.

A cantora morreu de causas naturais e, segundo revelou familiares, logo ao levantar-se na manhã de quinta-feira, dia 20, não se sentiu bem ao fazer os exercícios de fisioterapia. Começou a falar embaralhado e se recolheu. Depois, afirmou que estava sentindo que morreria dentro das próximas horas. Uma ambulância foi chamada.

O prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, foi uma das autoridades que esteve no velório da artista. Ele decretou luto oficial na cidade por três dias. “Hoje temos que celebrar a vida desta mulher. Desta grande representante da cultura brasileira. Da força da mulher brasileira, das pessoas que nascem nas favelas e nas periferias, das pessoas pretas, das pessoas que enfrentam as dificuldades da vida…. Esta mulher soube permanentemente se levantar e enfrentar. Esta é uma marca dela. Vamos celebrar a vida da Elza Soares, homenageá-la muito porque o Brasil deve muito a ela”, disse o prefeito.

Segundo o empresário da cantora, Pedro Loureiro, Elza estava bem e gravou um DVD nos dias 16 e 17 deste mês. Ontem acordou bem-disposta e fez fisioterapia. Depois de um tempo, aparentou cansaço, chamou a família e disse: “eu acho que vou morrer”.

Vida e obra

Eleita em 1999 pela rádio pública britânica BBC A Voz Brasileira do Milênio, Elza Soares gravou 36 discos em sua carreira, iniciada na década de 1950. Conhecida como cantora de samba, negava rótulos e transitou também pelo jazz, hip hop e MPB. Sua voz rouca e forte, de timbre único, a fizeram uma diva da música brasileira, celebrada por artistas como Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Rita e Leci Brandão.

Mulher, negra e favelada, desde o início da carreira, Elza chamou a atenção para as questões raciais e de gênero.

Segundo o Dicionário Cravo Albin da MPB, Elza “deu uma forma inteiramente nova aos dois estilos de samba que se conhecia quando ela surgiu, o samba de raiz e a bossa nova, criando um estilo novo que chegou mesmo a ser chamado de ‘bossa negra’ para implicar com a bossa ‘branca’ feita pelos riquinhos da zona sul do Rio”. A Bossa Negra foi o nome de um dos primeiros álbuns lançados pela cantora, em 1960.

Sempre se reinventando, Elza passou dos discos orquestrados da década de 1960 para os mais percussivos. Nas décadas de 1960 e 1970, teve altos e baixos na carreira e na vida pessoal, enfrentando descaso da mídia e problemas no casamento com o jogador de futebol Mané Garrincha. Na década de 1980, com influência do jazz, adotou o visual e interpretação visceral e teatral, causando comoção quando pisava nos palcos com roupas chamativas, que manteve até o fim da vida.

Entre as últimas gravações de Elza estão versos ativistas como “quebrei a cara e me livrei do resto dessa vida / Na avenida dura até o fim / Mulher do fim do mundo / Eu sou e vou até o fim cantar” (Mulher do Fim do Mundo – 2015); “Mil nações / Moldaram minha cara / Minha voz / Uso pra dizer o que se cala / O meu país / É meu lugar de fala (Deus é mulher – 2018); e “A perna treme / Parece videogame / É uma poça de sangue no chão / E o nego geme” (Planeta Fome – 2019).

Como prometido, cantando até o fim, Elza Soares estava com uma grande agenda de shows anunciada até agosto, a maioria ao lado do happer Renegado. Os dois apresentaram o show Onda Negra em Belém, no dia 19 de dezembro e no dia 12 de janeiro estariam no Festival Spanta Nenem no Rio de Janeiro, mas o evento foi cancelado por causa da pandemia de covid-19.

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