artigo por Antônio De Paula
João Carlos sonhava com o sossego no campo, mas acabou inaugurando, sem querer, um clube informal para os colegas do banco. O que era para ser refúgio virou bagunça de domingo, com liberdade desenfreada dos visitantes, mulheres em exibição desnecessária e o olhar regulador da esposa dele.
Depois de anos carregando malas por aeroportos, se hospedando em hotéis cinco estrelas e enfrentando o trânsito em cidades que mal conhecia, o executivo do banco decidiu que era hora de criar raízes. A vida de transferências constantes já tinha dado o que tinha que dar. A capital parecia, enfim, ser a moradia definitiva.
E, como todo homem que acha que está plantando o futuro, ele, junto com a esposa, decidiu comprar um sítio próximo da capital. Nada modesto! Piscina de azulejos novinhos, pomar arborizado, churrasqueira de alvenaria e até campo gramado para futsal.
A inauguração foi com pompa. Convidou a parentalha, a turma do banco, colegas de terno e gravata que, pela primeira vez, trocaram pastas por bermudas, chinelos e caixas de cerveja. A festa foi um sucesso. João Carlos e a mulher, orgulhosos, acreditaram que estavam iniciando uma nova fase da vida: receber parentes e amigos, ver a piscina cheia de risadas e, de quebra, colher mexericas direto do pé.
Só não previram um detalhe… A turma jovem do banco tinha um pique alucinante, outra sintonia. A amizade era boa, mas o ritmo não combinava com o estilo do casal.
Depois da primeira visita, ninguém mais pediu convite. Os domingos passaram a ter presença cativa, colegas chegavam em bando, às vezes com namoradas, às vezes com “ficantes”, às vezes em verdadeira caravana. Ocupavam a piscina, disputavam o quiosque, derramavam cerveja no piso da varanda, colocavam o som no volume máximo. As visitantes desfilavam em biquínis, corpos esculpidos entre academia e bisturi. Foi aí que a treta se instalou.
A dona do sítio, educadíssima e discreta, já não escondia o descontentamento. Seu olhar, mais afiado que faca de churrasco, repudiava aquela liberdade excessiva em seu quintal. A turma mergulhava, dançava, ria alto, enquanto ela, num silêncio tenso, virava a síndica da desordem.
No fim do dia, deixavam a herança. Copos plásticos esquecidos, guardanapos levados pelo vento, latinhas espalhadas pelo gramado e o clássico mistério dos chinelos trocados.
João Carlos, que já tinha enfrentado crises financeiras e reuniões com diretores mal-humorados, descobriu que nada é tão difícil quanto organizar a bagunça depois que os “amigos” vão embora. Pior do que a sujeira era a invasão semanal que impunha ritmos diferentes aos costumes do casal.
A esposa, que sonhava com “um cantinho de paz no campo”, logo percebeu que a paz era só teoria. Nenhum descanso resiste a uma invasão dominical disfarçada de amizade.
— Liga para o João!
— Já liguei, mas deu fora de área.
— Ah, então ele foi para o sítio. Chama a turma, bora pra lá!
E assim se formavam as caravanas. O sítio idealizado como refúgio da família virou espaço de lazer dos funcionários do banco. Entre churrascos disputados, cervejas estourando, música no último volume e mulheres desfilando, havia sempre aquele suspense: quem chegaria acompanhado de quem? E quantos minutos levaria para a patroa lançar o olhar fulminante?
No fim das contas, João Carlos percebeu que não havia comprado apenas um sítio. Tinha adquirido uma espécie de “clube recreativo do banco”, sem burocracia, mas cheio de enredos, bagunça e mal-entendidos. O pomar, que ele imaginava sereno e frutífero, agora produzia desavenças no casal e fofocas entre os visitantes.
Até que, numa dessas tardes prolongadas, quando o casal já não conseguia ouvir os próprios pensamentos de tanta barulheira, a esposa suspirou fundo, debruçada no umbral da varanda:
— Sabe de uma coisa? Chega. A gente não tem mais sítio. Viramos caseiros de um clube.
João Carlos olhou em volta. A piscina parecia um aquário humano, o pomar tinha mais latinhas do que frutas e a churrasqueira permanecia acesa o tempo todo.
— É… acho que está na hora de vender o sítio — disse ele à esposa.
Entre desarranjos, ciúmes acumulados e risadas alheias, o sítio foi colocado à venda. No fim, o casal percebeu. Ter uma casa no campo não é garantia de sossego.
Antônio de Paula é jornalista