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Meio século de política e intuição da rua na série Perfil Jornalístico, que o Diário de Notícias Marília lança neste final de semana

Era a segunda vez que o repórter entrava naquela sala. A primeira ocorreu quase 25 anos atrás, quando o primogênito do entrevistado acabava de ser eleito o mais jovem parlamentar da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Hoje, o filho mais velho é prefeito da cidade onde ele nasceu poucos dias depois da data católica em homenagem a São José, há 73 anos. Naquela primeira oportunidade, o entrevistado recepcionou o mesmo jornalista acompanhado pelo segundo filho — que anos depois seria vítima de um frio assassinato que chocou todo o Estado. Agora, quem o acompanhava nas conversas com o repórter era o terceiro filho, considerado um dos melhores estudantes de um colégio de grande renome localizado em São Paulo. Muito gentil e educado, o adolescente trouxe um copo d’água para o pai e outro para a visita. Quarenta minutos antes, José Abelardo Guimarães Camarinha havia respondido a uma mensagem do jornalista que queria entrevistá-lo sobre as eleições de 2026. “Estou indo para Brasília na semana que vem, podemos conversar hoje mesmo, agora, vai precisar fazer foto minha?”, perguntou. O jornalista disse que não seria necessária imagem, usaria uma de arquivo, mas a conversa renderia uma notícia diferente das convencionais. “Sabe, seu Abelardo, quero escrever algo meio parecido com o que o jornalista Gay Talese fez quando entrevistou Frank Sinatra para a revista americana Esquire, que rendeu a icônica matéria ‘Sinatra está resfriado’. Contudo, obviamente, iremos falar de eleições e já lhe pergunto: em 2026, o senhor será candidato?”. E o homem público de Marília, que exerceu os principais cargos possíveis para um político de uma cidade média do Interior do Estado brasileiro mais forte política e economicamente, respondeu: “Sim, serei candidato em 2026. Pode vir”.

Meio século de política

No próximo ano, quando os brasileiros irão às urnas escolher novo presidente da República, novo governador, um senador e novos deputados estaduais e federais, Camarinha completará 50 anos desde que se elegeu para um mandato público pela primeira vez: isso aconteceu na Câmara Municipal de Marília, em 1976, para a Legislatura de 1977. De lá para cá, Camarinha passou de vereador aspirante para cacique de seu próprio grupo político. Elegeu-se prefeito, elegeu sucessores e lançou para a vida pública seu primogênito, o atual prefeito de Marília, Vinicius Almeida Camarinha, que exerce o segundo mandato no Executivo mariliense, tendo uma trajetória iniciada justamente em 2002 ao se eleger deputado estadual pela primeira vez. Após a vereança e a Prefeitura de Marília, Abelardo conquistou uma das cadeiras da Assembleia Legislativa de São Paulo. Voltou duas vezes ao cargo de prefeito e por outras duas vezes elegeu-se deputado federal, ficando em Brasília. Tentou em 2020 a Prefeitura de Marília. Todas as vezes — ganhando ou perdendo — antes mesmo do início das apurações, Abelardo vai à imprensa e faz declarações, antecipando de quanto foi a derrota ou de quanto foi a vitória. Isso porque, além de trabalhar com pesquisas, o político articula uma rede de delegados partidários lotados em cada uma das seções eleitorais que conseguem somatizar os boletins divulgados logo após às 17 horas, como estabelece a legislação eleitoral.

A leitura da vontade popular

“Além da intuição que tenho, que é nata… existem pessoas que gostam de música, de bocha e outros, de pescar… a gente tem uma intuição grande na vida pública, tanto que pus isso a serviço do Lula [Luiz Inácio Lula da Silva, atual presidente do Brasil], do Montoro [Franco Montoro, governador de São Paulo nos anos de 1980 e ex-deputado federal], do Quércia [Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo], do Covas [Mário Covas, ex-governador de São Paulo]. Você está orientando que a campanha está indo errado. Você tem várias maneiras de informar à população. Uma maneira mais reta, objetiva e simples é a melhor maneira que se tem. Então, tenho essa facilidade de ver o que vai ‘pegar’ e o que não vai ‘pegar’, o slogan. Leitura de cenário, leitura da vontade popular. Por isso que, normalmente, elegemos os candidatos que apoiamos, porque você coloca uma pessoa que, mais ou menos, se identifica mais com o povo. E, nestes 50 anos de mandato, nunca mudei de lado: sempre estive ao lado do povo”, pontuou o político.

Ainda que a palavra “povo” possa ter tido uma reinterpretação a partir do pensamento do general e sociólogo Nelson Werneck Sodré, em um estudo muito pertinente e atual até hoje, Abelardo explica quem é o povo em sua própria visão: “O povo é a classe média-baixa, as pessoas humildes, os pobres… e por isso que boa parte da elite aqui de Marília não simpatiza com a nossa candidatura, porque eu priorizo o parque, a escola, a educação, a merenda e eles — a elite — não usam isso”. Antes de entrar especificamente neste assunto, Abelardo relatou que, várias vezes, no próprio prédio onde mora no centro de Marília, vizinhos de condomínio declararam que não votariam nele em várias de suas candidaturas — ora a prefeito, ora a deputado estadual ou federal. E o motivo: ‘Ah, você, Camarinha, é socialista, é do Lula’. “Nem pegavam o meu santinho, mesmo no elevador, quando a gente descia ou subia”. Ainda que o candidato contestasse, perguntando ao eleitor que se opunha ao pedido de voto se ‘socialista mora em prédio residencial, em condomínio?’. Abelardo detalha mais a fundo sobre quem é o povo que ele defende: “É quem trabalha para a elite, a cozinheira, o motorista, a doméstica, é o pedreiro… agora quem está no parque, na escola pública, no transporte coletivo não é a elite, mas é quem trabalha para a elite, é o filho do pedreiro, o filho da doméstica, o filho do motorista… os filhos dos pedreiros, do assentador de azulejo, estão nas Emeis que fizemos”.

3 horas diárias de leitura

A mesma sala onde Vinicius Camarinha e seu pai, Abelardo, atenderam ao repórter deste perfil jornalístico, quase 25 anos depois, concentra uma mesma característica: diversas edições de jornais impressos espalhadas por vários pontos. Na mesa onde o ex-prefeito se sentou para conversar com o jornalista, exemplares de livros de geopolítica, dois em especial, chamaram muito a atenção do repórter: um sobre a economia da China e outro sobre o mandato de Barack Obama. “Estou terminando este livro do Obama que, aliás, gostaria de indicar para o Trump, para ver se ele aprende um pouco mais sobre liberdade, respeito aos povos irmãos e gestão. Inclusive, escreve aí no perfil jornalístico que: Camarinha desafiou Trump a fazer o mesmo que está fazendo com o Brasil com a China e a Rússia”, sugeriu ao começar a comentar sobre o tarifação dos EUA ao Brasil. Abelardo lê três horas por dia. É assinante da Folha de S.Paulo há 50 anos e, quando está em São Paulo — onde o filho caçula, Gabriel, estuda — além do Estadão e Folha, lê o jornal O Globo, do Rio de Janeiro, ou seja, os maiores jornais impressos de circulação nacional.

A intuição da rua

Sobre a característica de se posicionar logo ao final do tempo de votação em domingo de eleição — Abelardo sempre vai a público 20 minutos ou meia-hora após o fim do prazo de voto — o político relatou que isso também está ligado à intuição. E não só à ciência da pesquisa eleitoral, da checagem coletiva dos boletins públicos das urnas — as zerésimas — e da engrenagem azeitada com o time que está trabalhando nas campanhas, mas, acima de tudo, ao sentimento de sentir a cidade e o eleitorado. “O modo que o eleitor te cumprimenta. No modo, você já percebe. Hoje, estamos num momento de ascensão: então, você sai na rua, todo mundo vem, quer tirar foto, quer conversar. Se você está mal, a pessoa finge que não te vê e te fala um ‘oi’ muito gelado. Então, hoje, 19 de julho de 2025, o momento é muito propício. A última votação aqui eu tive 44.998 votos, em 2014, quando saí para deputado estadual. E não é difícil repetir uma votação dessas”. Nessa mesma toada intuitiva — e com base nas eleições de 2022 — Abelardo compreende que o eleitor de São Paulo — o morador da capital — e o do Interior, especialmente o de Marília, são bem distintos. “Em Marília, o eleitor é muito conservador. Na capital, já não é assim. Aqui, o agronegócio tem um peso muito forte. Na capital, não. Por isso que o Lula ganhou lá em São Paulo, capital, e o Bolsonaro ganhou no Interior do Estado, e em Marília”, contextualizou.

Abelardo conversou por mais de meia hora com o repórter. Analisou o cenário da política nacional — no dia anterior houve a operação da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, inclusive — e a política em outras nações, como na China, nos Estados Unidos e no Canadá, países em que esteve por algumas ocasiões. Recordou que, certa vez na Inglaterra, chegou a participar de uma manifestação em defesa da paz. Criticou fortemente seus adversários políticos de Marília e sinalizou que, sim, em 2026 estará nas urnas pela 10ª ou 12ª vez em sua vida – não soube precisar ao certo.

Portanto, Abelardo será candidato a deputado estadual. O motivo de não disputar a federal é familiar. Quer ficar no Estado para acompanhar os estudos do caçula, Gabriel, e auxiliar no mandato da esposa, a vereadora mais votada em 2024 em Marília, Fabiana Camarinha, do Podemos. “Eu exerci todos os votos pela vontade popular, pelo voto direto”, comentou ao analisar o feito público de outro mariliense, o ministro Dias Toffoli, do STF, que por menos de uma semana exerceu a presidência do Brasil. “Ele foi presidente ‘biônico’. Eu fui prefeito, vereador, deputado estadual e deputado federal, tudo pelo voto, pela vontade popular”, sentenciou.

[Perfil jornalístico escrito pelo jornalista e escritor Ramon Barbosa Franco, em Marília; sábado, dia 19 de julho de 2025]

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