Quinto romance, 16º título de Luiz Eduardo de Carvalho, fala da diáspora japonesa no pós-guerra e da segunda onda de migração nipônica para o Brasil
O multipremiado autor paulistano, Luiz Eduardo de Carvalho, lança em novembro o seu quinto romance, décimo-sexto título de sua carreira literária: Bicho-da-Seda, um romance trágico, situado entre os anos de 1945 e 1982, acerca da diáspora japonesa no pós-guerra, que conta a história de Emi Watanabe, a última descendente de uma tradicional família dedicada à produção da seda. Nos últimos dias do conflito mundial, Emi foge do Japão rumo à América do Sul.
Após muitas agruras e humilhações durante a travessia oceânica, ela chega à costa chilena, de onde parte rumo ao Paraná, no Brasil, cruzando a zona meridional do continente. No trajeto, junta-se a outros japoneses em fuga para, com eles, formar uma pequena comunidade que dará continuidade à criação do bicho-da-seda a partir de algumas lagartas que trouxe consigo.
Em território brasileiro, o destino de Emi redesenha-se e a história prossegue pelas duas próximas gerações, apresentando o processo de superação dos traumas do exílio e a dificuldade de adaptação a uma cultura completamente diferente.
Um livro denso, que aborda em profundidade aspectos psicológicos dos personagens, tanto em suas tendências naturais, quanto nos desvios de suas personalidades, motivadas ou não pelos traumas experimentados. Trata de assuntos delicados como a fobofilia e o alcoolismo, bem como dos desvios comportamentais deles derivados.
A marca da tragédia expressa-se pela trajetória do personagem Hirota Higa, um dos poucos sobreviventes do massacre de Okinawa, que se junta a Emi na chegada ao novo mundo e atravessa, com suas débeis tentativas de manter o equilíbrio da pequena comunidade, as histórias de três gerações.
Nas palavras do professor, escritor e músico, mestre em literatura brasileira pela Universidade de Brasília. Leonardo Almeida Filho, o que mais nos surpreende nas histórias de Luiz Eduardo de Carvalho é sua versatilidade; sua coragem em abordar com grande talento temas difíceis, polêmicos; sua ousadia de enfrentar universos diegéticos muito distantes de sua realidade imediata, como podemos constatar em seus grandes e premiados textos como Sessenta e seis elos, Xadrez, Quadrilha, Cabra cega e, agora, esse surpreendente monumento ficcional que é Bicho-da-seda.
Salta aos olhos o tremendo trabalho de pesquisa que consumiu o autor para construir uma pequena parte da história trágica e bela da imigração japonesa durante a grande guerra. Na figura da jovem Emi Watanabe, e seu irmão Takeshi, descendentes de uma linhagem nobre de produtores de seda, o autor vai tecendo, como fora ele próprio um bicho da seda, uma história surpreendente de determinação e coragem. Fugindo de um país arrasado, poucas horas antes da explosão da bomba em Hiroshima, um grupo de jovens japoneses, submete-se a toda sorte de abuso por parte de piratas, espécie de coiotes orientais, que os transporta pelo Pacífico até o Chile e, por terra, até o Brasil, passando por Argentina e Paraguai, numa odisseia sem heróis, deparando-se com uma realidade assustadora, clandestinos nazistas na América do Sul, trabalho escravo, tráfico humano, contrabando. Impressiona a representação realista dessa odisseia, com todas as suas tremendas injustiças e crueldades.
O romance, ao adotar o processo de produção da seda, ao representá-lo com minúcia (o que demonstra sua grande capacidade de pesquisa para o tratamento literário), estabelece uma feliz alegoria da própria existência. Poucas lagartas voam, a maior parte delas sucumbe, nos diz Emi em certa parte do livro. E não é justamente o que acontece com todos nós e que acontecerá com os personagens dessa história?
O romance acompanha a saga de três mulheres num mundo de barbárie e crueldade masculina: Emi, Sueda e Yoko. Hirota, um sobrevivente do inferno de Okinawa, torna-se o anjo protetor que, aos poucos, mostrar-se-á monstruoso. Não há espaço para personagens redondos, para perfis róseos e confortáveis.
Para Luiz Eduardo de Carvalho, a vida é sempre um desconforto que precisa ser enfrentado. A complexidade psicológica de cada um dos seres ficcionais de “Bicho da seda” é um dos pontos altos da narrativa. Luiz Eduardo mergulha sem receio, e sem qualquer julgamento, nas nuances de cada um de seus personagens, suas fobias, medos, taras, desejos. Por trás da maciez e da beleza da seda, um mundo de asperezas e pequenas tragédias vai compondo o painel dessa grande história. Trata-se de um excelente romance, sem sombra de dúvidas, o que ratifica o autor como um dos grandes criadores contemporâneos brasileiros.
Serviço
Bicho-da-seda
Romance, 222 páginas
Editora Litteralux – https://www.editoralitteralux.com.br/catalogo-titulo/bicho-da-seda
Apresentação: Leonardo Almeida Filho
Prefácio: Cinthia Kriemler